A Afroteca – tecnologia educacional antirracista – é, antes de tudo, uma
construção coletiva de enfrentamento ao racismo na infância desenvolvida no âmbito do
Projeto Kiriku, um projeto de pesquisa executado, em 2022, pelo Grupo de Pesquisa em
Literatura, História e Cultura Africana, Afro-brasileira, Afro-Amazônica e Quilombola
(AFROLIQ), do Curso de Licenciatura em Letras do Instituto de Ciências da Educação
(ICED) da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). Nesse sentido, a Afroteca
é ao mesmo tempo parte e resultado de pesquisa nos CEMEIs (Centros Municipais de
Educação Infantil) e tecnologia de permanente estudo e reflexão. Ela representa uma
intervenção pedagógica antirracista concreta na Educação Infantil e, dada a dimensão
pioneira e inovadora, constitui-se como tecnologia educacional em uso e avaliação.
Para compreendermos esta natureza intervencionista e investigativa da
Afroteca, cabe-nos retomar brevemente os objetivos do Projeto Kiriku. Num cômputo
geral, as ações de pesquisa focalizam dois grandes objetivos: 1) entender como as relações
raciais se desenvolvem nos CEMEIS; 2) construir alternativas pedagógicas de combate
ao racismo e de promoção da igualdade racial na Educação Infantil. Sobre o primeiro
objetivo, o projeto ouviu inicialmente as equipes de trabalho dos CEMEIs, o que
possibilitou uma primeira sistematização das situações de racismo que cerca(m) a(s)
infância(s) que frequenta(m) essas instituições. Por sinal, a escuta dessas equipes tem sido
desenvolvida há algum tempo pelo AFROLIQ nas formações que realizamos nos
CEMEIs desde 2019. Todavia, o trabalho de pesquisa desenvolvido no âmbito do Projeto
Kiriku permitiu uma recolha mais ampla e um trabalho de análise mais detido. Os relatos
das equipes de trabalho recolhidos em nosso estudo de campo apontaram para um quadro
de situações recorrentes de discriminação racial que movimentam estereótipos em torno
das crianças negras. Desse modo, o trabalho de intervenção pedagógica do Projeto Kiriku,
que se materializa principalmente nas Afrotecas, é movido pelo trabalho investigativo e
reflexivo sobre o racismo e as formas de discriminação que circulam nas unidades. É
nesse sentido que situamos e compreendemos a Afroteca como resultado de um trabalho
de pesquisa. A forma como pensamos esta tecnologia tem origem no problema que
queremos combater e superar: o racismo na(s) infância(s).
Em linhas gerais, a Afroteca é consequência dos problemas encontrados e
dos caminhos pensados para o enfrentamento. Nessa perspectiva, os materiais que
compõem a Afroteca – livros, jogos, brinquedos e instrumentos musicais – enfrentam o
problema racial. Daí a importância da escuta das equipes e desse diagnóstico inicial. Não
poderíamos pensar e construir a tecnologia sem conhecer e refletir sobre as relações
raciais nos CEMEIS, pois o reconhecimento e a sistematização das formas mais usuais
de discriminação racial movimentaram (e ainda movimentam) a escolha dos livros, jogos,
brinquedos e instrumentos musicais que estruturam a tecnologia. Ou seja, se o cabelo da
criança negra é principal elemento de inferiorização atualizado nas práticas racistas, foi
preciso trazer para a composição da Afroteca os materiais que descontroem essa prática
e promovam maneiras afirmativas de ver e perceber o corpo e os traços identitários da
criança negra. Logo, enquanto tecnologia, a Afroteca materializa um processo de
(re)conhecimento do problema racial, de reflexão estratégica e de intervenção educativa.
Em resumo, a Afroteca é tecnologia de Educação para as relações raciais.